sexta-feira, 1 de julho de 2016

«SOCIEDADE DECENTE»_DE EDUARDO PAZ FERREIRA.

Eduardo Paz Ferreira
37 min
EM JEITO DE INTRODUÇÃO: A QUE VEM ESTE LIVRO?
A primeira condição para termos uma sociedade decente é a de que cada um de nós tenha um comportamento decente. Não tenho, todavia, qualquer dúvida em reconhecer que esta é uma condição necessária, mas não suficiente, até porque, se não faltam estímulos aos comportamentos indecentes, eles rareiam quanto ao comportamento decente, que tende a passar despercebido.
Frequentemente quem tenta pautar a vida pelas regras morais e éticas que caracterizam um sociedade decente é considerado um «trouxa». Palavras outrora nobres, como utopia ou idealismo, passaram a ser objecto de desvalorização geral, e quem persiste nessa via é visto como alguém que perde o seu tempo em vez de se juntar ao esforço comum de consolidação da ordem estabelecida
Não é, de facto, apenas na economia que se faz sentir o pensamento redutor e totalitário TINA – there is no alternative – que visa convencer-nos de que qualquer esforço de pensamento novo é totalmente inútil, porque o caminho que se segue é o único possível.
Os últimos quarenta anos trouxeram-nos uma profunda alteração de valores e padrões que nos conduziram à beira do abismo. Leonard Cohen, uma daquelas vozes que acompanhou as nossas vidas nas suas diferentes fases, quando as coisas ainda não tinham atingido o estado actual, cantava já: «I’ve seen the future, brother. It is murder.»
É, pois, necessário, inverter o percurso que nos afastou da ideia de boa sociedade e do objectivo expresso pelos founding fathers da independência dos Estados Unidos de que as sociedades politicamente organizadas têm por objecto a construção da felicidade.
Não é uma tarefa fácil a que nos aguarda, mas temos de partir do princípio de que ainda vamos a tempo de refazer os laços sociais e criar as alianças necessárias para uma sociedade decente.
O nosso dia-a-dia está cheio de acontecimentos que nos envergonham. No momento em que escrevo esta introdução, o The Guardian publicou o dossier das fotograias dos detidos da CIA, despidos e humilhados, em tempos de um presidente norte-americano que, há oito anos, prometeu fechar Guantánamo; um vasto grupo de jornais publica os Panama Papers, mais uma vergonhosa demonstração de como muitos ricos e poderosos não cumprem os seus deveres de cidadania.
Na tentativa de motivar a solidariedade para com os refugiados, a campanha "Se fosse refugiado, o que levaria na mochila?" convida pessoas inluentes da sociedade a organizarem a sua mochila para encararem uma viagem como a dos refugiados. Uma das mais conhecidas artistas plásticas portuguesas não hesita e às suas jóias e outros bibelots junta, como comentou Luís Franco Bastos, «toda a secção de electrónica da FNAC».
Lemos, ouvimos e vemos. E podemos ignorar?

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