ABRE O OLHO, COMPANHEIRO!
Há por aqui muitas e variadas ofertas...
Mas precisamos de ter muito cuidado, há gente capaz de tudo!
Quando eu e meu marido nos vimos martirizados com trabalho, num prédio para onde fomos morar, onde eu seria porteira, e ele para ir colocando algum azulejo que caísse nas cozinhas ou casas-de-banho, para termos direito a habitação, nem imaginávamos a escravidão que nos esperava.
Então, contraímos empréstimos e tomámos por trespasse uma papelaria com habitação, na zona do Chile.
Mas, antes de resolvermos pedir o empréstimo, fomos ainda algumas vezes ver o movimento do estabelecimento.
Éramos uns completos idiotas ou, talvez, ingénuos, pois nunca imaginávamos que nos fizessem aquilo que não seríamos capazes de fazer. E nunca fomos de surpresa, era dia combinado antecipadamente.
A papelaria tinha um movimento incrível! A proprietária mal podia falar connosco, vendas atrás de vendas, pois tinham muitos artigos, para brindes e por aí.
Ela vestia muito bem e tinha muito ouro, quer ao pescoço, quer nos braços. O motivo do trespasse era o de já não precisar da loja, pois estava a acabar uma moradia no Magoito, perto de uma praia e queria tranquilidade.
Negócio fechado, ela saiu e nós instalámo-nos.
No dia seguinte, sai o marido para o serviço dele e eu, a nova comerciante, instalei-me atrás do balcão, esperando uma multidão de clientes, como eu me habituara a ver lá... Uns dois ou três, fumadores, foram ao tabaquito...
Nos dias seguintes, alguns marmanjos iam metendo a cabeça para dentro da lojeca, miravam-me dos pés à cabeça e iam-se embora. Entretanto, a vizinhança lá do prédio já começara a ir comprar material escolar para as crianças, detergentes, perfumes, etc.
Como eu nessa altura já me tinha especializado nos bordados, coloquei a máquina na loja e um papel na montra a oferecer esse serviço. Mas a respeito de clientela, era pouca. Eu estava muito triste. Achava que não simpatizavam comigo.
Até que um dia, um homem entrou lá na loja e começou a fazer-me perguntas sobre o negócio, se estava a correr bem. Fiquei atrapalhada, não queria contar que pouco vendia. Fui dizendo que uns dias mais, outros menos...Até que ele me perguntou se eu conhecia bem o bairro...
Respondi que não tivera ainda tempo para isso. Que quando lá fora ver a loja foi tudo à pressa e agora tinha de estar no estabelecimento, e ao fim de semana tinha muita coisa para fazer.
E ele atirou com isto: «Então não sabe que este bairro tem papelarias a mais, logo na rua detrás desta existem duas e com muito mais sortido que a sua?»
Fiquei de queixo caído, mas ainda disse: «Esta tinha muito movimento antes de mim, vim cá algumas vezes, eram vendas seguidas...»
Eu estava atordoada com o que ele dizia. Até que lhe contei que tínhamos contraído um empréstimo e se não começasse a vender mais, seria complicado.
Ele meneou a cabeça e explicou que a clientela era falsa, amigas que ela pedira para irem lá àquela hora, para levarem os artigos e pagarem, ela depois devolvia-lhes o dinheiro...
Eu quase desmaiei! Ainda retorqui que ela aparentava viver economicamente bem.
Entretanto, ele respondeu que ela fazia muito negócio à noite, pela porta das traseiras da habitação.
E esta idiota respondeu:
«Mas eu também faço isso, vendo lápis e cadernos aos miúdos para levarem de manhã para a escola, esquecem-se de comprar quando chegam.»
Ele olhou-me com estranheza, por eu não assimilar o que ele tentava passar-me, continuou a menear a cabeça, preparou-se para ir embora, mas foi-me dizendo: «Tentem passar também o estabelecimento, isto nunca deu nada! O dinheiro que ela ganhava de noite e onde ela arranjou para construir a moradia, não era a vender lápis nem cadernos... Está a perceber?»
E foi-se embora após aquela explicação.
Não sei quem era, talvez um dos seus clientes... Nunca mais lá voltou.
Entretanto, conseguimos estabilizar-nos, a clientela aumentou um pouquito, eu a bordar, meu marido a aceitar trabalhos de pedreiro, entregámos o trespasse a uma agência, acabámos por estar lá poucos anos, os idosos precisaram de assistência permanente.
Florinda Rosa Isabel
Há por aqui muitas e variadas ofertas...
Mas precisamos de ter muito cuidado, há gente capaz de tudo!
Quando eu e meu marido nos vimos martirizados com trabalho, num prédio para onde fomos morar, onde eu seria porteira, e ele para ir colocando algum azulejo que caísse nas cozinhas ou casas-de-banho, para termos direito a habitação, nem imaginávamos a escravidão que nos esperava.
Então, contraímos empréstimos e tomámos por trespasse uma papelaria com habitação, na zona do Chile.
Mas, antes de resolvermos pedir o empréstimo, fomos ainda algumas vezes ver o movimento do estabelecimento.
Éramos uns completos idiotas ou, talvez, ingénuos, pois nunca imaginávamos que nos fizessem aquilo que não seríamos capazes de fazer. E nunca fomos de surpresa, era dia combinado antecipadamente.
A papelaria tinha um movimento incrível! A proprietária mal podia falar connosco, vendas atrás de vendas, pois tinham muitos artigos, para brindes e por aí.
Ela vestia muito bem e tinha muito ouro, quer ao pescoço, quer nos braços. O motivo do trespasse era o de já não precisar da loja, pois estava a acabar uma moradia no Magoito, perto de uma praia e queria tranquilidade.
Negócio fechado, ela saiu e nós instalámo-nos.
No dia seguinte, sai o marido para o serviço dele e eu, a nova comerciante, instalei-me atrás do balcão, esperando uma multidão de clientes, como eu me habituara a ver lá... Uns dois ou três, fumadores, foram ao tabaquito...
Nos dias seguintes, alguns marmanjos iam metendo a cabeça para dentro da lojeca, miravam-me dos pés à cabeça e iam-se embora. Entretanto, a vizinhança lá do prédio já começara a ir comprar material escolar para as crianças, detergentes, perfumes, etc.
Como eu nessa altura já me tinha especializado nos bordados, coloquei a máquina na loja e um papel na montra a oferecer esse serviço. Mas a respeito de clientela, era pouca. Eu estava muito triste. Achava que não simpatizavam comigo.
Até que um dia, um homem entrou lá na loja e começou a fazer-me perguntas sobre o negócio, se estava a correr bem. Fiquei atrapalhada, não queria contar que pouco vendia. Fui dizendo que uns dias mais, outros menos...Até que ele me perguntou se eu conhecia bem o bairro...
Respondi que não tivera ainda tempo para isso. Que quando lá fora ver a loja foi tudo à pressa e agora tinha de estar no estabelecimento, e ao fim de semana tinha muita coisa para fazer.
E ele atirou com isto: «Então não sabe que este bairro tem papelarias a mais, logo na rua detrás desta existem duas e com muito mais sortido que a sua?»
Fiquei de queixo caído, mas ainda disse: «Esta tinha muito movimento antes de mim, vim cá algumas vezes, eram vendas seguidas...»
Eu estava atordoada com o que ele dizia. Até que lhe contei que tínhamos contraído um empréstimo e se não começasse a vender mais, seria complicado.
Ele meneou a cabeça e explicou que a clientela era falsa, amigas que ela pedira para irem lá àquela hora, para levarem os artigos e pagarem, ela depois devolvia-lhes o dinheiro...
Eu quase desmaiei! Ainda retorqui que ela aparentava viver economicamente bem.
Entretanto, ele respondeu que ela fazia muito negócio à noite, pela porta das traseiras da habitação.
E esta idiota respondeu:
«Mas eu também faço isso, vendo lápis e cadernos aos miúdos para levarem de manhã para a escola, esquecem-se de comprar quando chegam.»
Ele olhou-me com estranheza, por eu não assimilar o que ele tentava passar-me, continuou a menear a cabeça, preparou-se para ir embora, mas foi-me dizendo: «Tentem passar também o estabelecimento, isto nunca deu nada! O dinheiro que ela ganhava de noite e onde ela arranjou para construir a moradia, não era a vender lápis nem cadernos... Está a perceber?»
E foi-se embora após aquela explicação.
Não sei quem era, talvez um dos seus clientes... Nunca mais lá voltou.
Entretanto, conseguimos estabilizar-nos, a clientela aumentou um pouquito, eu a bordar, meu marido a aceitar trabalhos de pedreiro, entregámos o trespasse a uma agência, acabámos por estar lá poucos anos, os idosos precisaram de assistência permanente.
Florinda Rosa Isabel
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