As Iniciações e a Expansão Portuguesa - 7 de Fevereiro, 2017
Newsletter da Publicações Maitreya newsletter@publicacoesmaitreya.pt através de amazonses.com
|
|
| |
|
|
| A todos, a nossa saudação. |
|
Caros Amigos,
Como habitualmente às terças-feiras, partilhamos mais um texto que aleatoriamente foi selecionado, esperando que vá ao encontro da necessidade da maior parte de vós. E hoje foi selecionado o livro "AS INICIAÇÕES E A EXPANSÃO PORTUGUESA", de Maria, inserido na Colecção "Missão Lusa".
Páginas 42 a 48
Se escrevesse “como devo”, isso seria relatar os factos com a visão e mentalidade da época, de acordo com os preconceitos advindos da religião católica e dos costumes portugueses, beneficiando os “aventureiros”; como “entender”, era a sua forma pessoal, crítica e humanista, de julgar os acontecimentos, pois embora inserido na mentalidade portuguesa, era homem bem viajado, condição que lhe conferia outra visão, mais universalista. Foi talvez dos pensadores mais “revolucionários” da sua época, descrevendo muitas realidades, embora alguns críticos o classifiquem de imaginativo. A sua narração contém protestos indirectos, contra a forma como os portugueses agiam, através dos discursos dos intervenientes da “Peregrinação”. Creio mesmo que há críticas suas postas nas bocas das suas personagens, como a que aqui transcrevo, dum rapaz que pela idade, não teria a sabedoria para tal resposta. Assim teria modificado e embelezado o drama da “Peregrinação”, tornando-o mais romanceado e aproveitando para transmitir críticas à sociedade do seu tempo, denunciando atrocidades, falsas religiosidades e as hipocrisias que testemunhara, com o pensamento e a consciência livre, nessas aventuras e desventuras da expansão portuguesa. «- Não cuides de mim, inda que me vejas minino, que sou tão parvo que possa cuidar de ti que, roubando-me meu pai, me hajas a mim de tratar como filho, se és esse que dizes, eu te peço muito, muito por amor do teu Deus, que me deixes botar a nado a essa triste terra onde fica quem me gerou, porque esse é o meu pai verdadeiro, com o qual quero antes morrer ali naquele mato, onde o vejo estar-me chorando, que viver entre gente tão má como vós outros sois». Alguns dos que ali estavam o repreenderam e lhe disseram que não dissesse aquilo, porque não era bem dito, a que ele respondeu: «Sabeis porque vo-lo digo? Porque vos vi louvar a Deus - depois de fartos, com as mãos alevantadas e com os beiços untados, como homens que lhes parece que basta arreganhar os dentes ao Céu sem satisfazer o que têm roubado; pois entendei que o Senhor da mão poderosa não nos obriga tanto a bulir com os beiços, quando nos defende tomar o alheio, quanto mais roubar e matar, que são dous pecados tão graves quanto depois de morrer conhecereis no rigoroso castigo da sua divina justiça». Espantado António de Faria das razões deste moço, lhe disse se queria ser cristão, a que o moço, pondo os olhos nele, respondeu: «Não entendo isso que dizes, nem sei que cousa é essa que me dizes; declara-mo primeiro, e então te responderei a propósito». E declarando-lhe António de Faria, por palavras discretas ao seu modo, lhe não respondeu o moço a elas, mas pondo os olhos no Céu, com as mãos alevantadas, disse chorando: «Bendito seja, Senhor, a tua paciência, que sofre haver na terra gente que fale tão bem de ti e use tão pouco da tua lei, como estes miseráveis e cegos, que cuidam de furtar e pregar te pode satisfazer, como aos príncipes tiranos que reinam na terra». (Cap. LV). Como não eram civilizados estes povos orientais com níveis tão elevados de arte, cultura e religiosidade? Peregrinando Fernão Mendes Pinto pelo reino do Sião, passou pela bela cidade de Ayuthya, dedicada a Rāma, o herói da epopeia indiana, “Rāmāyaṇa” com belíssimos templos e gigantescas estátuas do Buddha e que ainda hoje conservam muitos vestígios da grandeza que teve como capital do Sião (hoje Tailândia), até ao século XVIII, inclusive os restos do bairro português. Eis como nos fala, Fernão Mendes Pinto: «...Parece-me que não virá fora do propósito tratar aqui, inda que brevemente, do sítio, grandeza, abastança, riqueza e fertilidade que vi neste reino de Sião e império Somau, e quando mais proveitoso nos fôra tê-lo senhoreado que tudo quanto temo na Índia e com muito menos custo do que até agora nos tem feito», acrescentando mais adiante: «E realmente afirmo que de cousas que vi nesta cidade de Odiaa, (Ayuthya), somente pudera ainda contar muitas mais particularidades do que contei de todo o reino, mas deixo de o fazer por não causar aos que isto lerem a mágoa que eu tenho de ver o muito que por nossos pecados nesta parte perdemos e o muito que pudéramos ganhar». (Cap. CLXXXIX) É conhecida a Tailândia pela quase adesão total da população ao Budismo da Tradição Theravada, sendo por isso a religião oficial. Encontra-se por toda a parte contudo, a memória de Rāma, uma das avatarizações do deus Viṣṇu da Índia, sinal da importância da civilização indiana nos primórdios dos reinos da Tailândia. Na actual dinastia real presta-se homenagem a Rāma, adoptando todos os reis o seu nome. Há muitas cidades, palácios, tradições religiosas, costumes e obras literárias, que foram tentativas de importar e reanimar tradições indianas, especialmente através do “Rāmāyana”, e serviram para a educação e cultura deste povo e dos outros que estavam dentro da esfera irradiativa da Mãe Índia. Ayodhyā, na Índia, é a terra natal de Rāma e como tal conhecida como cidade sagrada. Na Tailândia, Ayuthya, foi fundada em 1351, com este nome, pelo rei Uthong (Rāma Thibodi I), como propósito de se invocarem as forças histórico-espirituais ligadas a este elevado ser, ou pelo menos sacralizar a realeza que se formava com a tradição indiana, da qual já tinham sido recebidas influências ao longo dos séculos pela emigração indiana. Admitem certos estudiosos que quando Rāma esteve no exílio da floresta, terá chegado até estas terras, descritas pelos nossos cronistas como o reino do Sião, hoje Tailândia. João de Barros exprime-se assim quanto ao Sião através de descrições recebidas: «Geralmente esta gente dos siames é mui religiosa e amiga da veneração de Deus, porque lhe edificam muitos e mui grandes e magníficos templos...» «Os templos são grandes e sumptuosos e nisto dependem os Reis muito; todo o rei quando herda o Reino, em louvor de Deus logo começa um templo...». «Os sacerdotes destes templos são mui venerados, e eles em seu modo religioso, são tão honestos...». Se João de Barros registou com imparcialidade e alguma profundidade aspectos do Oriente, o que deveria ser exigência para todos os que escrevem, não é menos verdade que a difusão e recepção destas informações foi e continua a ser muito escassa em Portugal. O que continua hoje o português a saber sobre o Oriente, principalmente sobre a Índia? Os grandes livros sagrados, base e suporte da educação do povo, transmitidos, ainda hoje pelos “gurus” (mestres), nos “āśrams” (centros espirituais), e pelos “paṇḍitas” (doutores), nas escolas, nunca foram por nós devidamente apreciados e divulgados, se bem que na segunda metade do século XVIII, a pedido do então Secretario do Estado da Índia, para o Bispo de Beja Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas, tenha um dos mais “entendidos gentios” Ananta Camotim Vaga, resumido a Bhagavad-Gītā, sendo só impressa em 1915 na Academia das Ciências por Francisco Maria Esteves Pereira. Canto VII: «Adverte mais Crusna ao Arzun, dizendo, que elle considera haver immensa multidão de homens no mundo, porém não alcança que toda chega ou exercite a perfeição das virtudes; mas antes se dedicâo aos interesses próprios, posto que exteriormente parecem justos: desta multidão quer dizer de hum mil, se achar elle Crusna cem com dotes da virtude, os terá por felices; porém que não acha, nem o mais pequeno número, por isso muitos são que perdem a felicidade, e raríssimo a gozão pela difectibilidade de sua natural inconstância, e não perceberem do sabor, que encerra na virtude. Adverte mais o Crusna, dizendo que elle he huma essencia muy subtil, e difucultoza à compreensão dos mortaes; assim como quem há que divida com sua ideia ou capacidade a substancia da água, ou queira separar ao sol de seus influxos e esplendores: pois certamente parece hûa couza muito especulativa e ardua; e por cauza desta dificuldade para não cançarem os homens o seu entendimento e toda a sua substancia nesta, de deixão della, e procurão couzas faceis; da mesma forma aquelles homens que não querem trabalhar nesta especulação, cuidando por mais dificultoza, nao aproveitão delle Crusna; e aquelles que vencem essa, aplicando a mente de que elle Crusna com o seu tão árduo, se acha em toda a parte e lugar, e o amão e abração, estes conseguem pleno conhecimento delle sem lhes obstar a dificuldade que outros sentem; e por este motivo poucos são os que me alcanção, e muitos se engarão. Além disso que elle Crusna concorre a satisfazer aos actos da vontade, que viventes intentão pôr em execução, a saber, buns aplicão o seu pensamento às obras boas, justas, e perfeitas; outros às obras facinorozas, pacaminozas e injustas: desta qualidade dos homens desfrutão a seu tempo o seu prémio, segundo ellas; porque lhes faculta a liberdade, por ser essa o principal bem aos viventes, que o coartar-lhes era violentar os seus ânimos. Declara mais que elle como immortal tem sciencia do que se passou nos séculos passados; o que se passa de prezente entre os mortais; e o que há de suceder té o fim do mundo, que por ignorarem os homens, dão se por convencidos à sua mizeria, e se enganão». Esta história, o Cântico do Bem-Aventurado, ou Bhagavad-Gītā é uma belíssima síntese dos principais ensinamentos e das tradições espirituais da Índia. Se tivemos a oportunidade de dar a conhecer ao mundo europeu esta fabulosa civilização com a sua elevada cultura e religiosidade, contudo, como fanáticos da superioridade religiosa, não demos valor ao que encontrámos: a fecunda e profunda espiritualidade oriental. Onde estão as obras e os estudos conhecidos sobre a Índia? Quase não existem. À parte os estudos académicos dos professores de sânscrito, desde o fim do século XIX, tais os de Vasconcelos Abreu, Monsenhor Dalgado, Mariano Saldanha, e refira-se ainda Antero de Quental, ao ler o Rāmāyaṇa e a interessar-se pelo Budismo, assim como, no século passado, Fernando Pessoa, através da Teosofia, e ainda hoje Margarida de Lacerda. Os restantes autores das obras sobre o Oriente transmitem sobretudo relatos de viagens e feitos heróicos, com visões sempre muito limitadas de interpretação da filosofia, religiosidade e espiritualidade da Índia, que é exactamente o ponto flagrante da falha da nossa missão, embora tenha havido algumas meritórias excepções. Ainda hoje o ambiente do nosso país é neste aspecto fraco: para além de uma dúzia de estudiosos de sânscrito ou de filosofia indiana, o desconhecimento e a superficialidade de apreciação são grandes. Recentemente realizou-se um congresso sobre “Os Portugueses e a Índia”, em que assisti a algumas conferências de professores de universidades lisboetas, nos quais os valores essenciais da cultura indiana não eram bem compreendidos, perdendo-se a interpretação mais profunda da Índia. Em geral limitam-se, tal como no passado, pelos preconceitos de superioridade civilizacional, ou cingem-se aos aspectos mais técnicos, formais ou superficiais, por exemplo de linguagem e arte, sem conseguirem integrá-los com o Todo, ou com a espiritualidade que fundamenta os valores culturais e sociais deste povo. Não há um conhecimento correcto da religiosidade védica, para não falarmos já nas filosofias pré-védicas, patentes por exemplo nos Jainas. Existe pois certa secura ignorante, proveniente das limitações e complexos de superioridade católica ou materialistas, que os alheiam das fontes vivas da religiosidade e mentalidade indiana. Talvez que sendo tão rica a Índia, tanta luz os cegasse...
Até breve!
07 de Fevereiro, 2017
|
http://www.publicacoesmaitreya.pt
Para entrar em contacto com a Publicações Maitreya, sugerimos que o faça para: webmaster@publicacoesmaitreya.pt |
|
Sem comentários:
Enviar um comentário