Conforme já aqui disse várias vezes, fui criada pelos meu Padrinhos, devido a dificuldades económicas por parte de meus Pais. Meus Padrinhos não eram ricos, viviam do magro ordenado que meu Padrinho ganhava na sua profissão de Bombeiro. Minha Madrinha ajudava no que podia, costurava e ia aos armazéns buscar roupas para vender. Tudo isto é para dizer que comecei a fazer alguns trabalhos domésticos desde muito nova, de pouco esforço, para aliviara a Madrinha Quando meu Padrinho se reformou e fomos viver para a província, continuei a ajudar em tudo, até na vida agrícola.
Tinha 15 anos, quando deixei Lisboa, mas adaptei-me bem e comecei a ter amigas. E, claro, aconteceu o que sempre acontece com os adolescentes, elas começaram a "fazer-me" a cabeça... Quando eu ia às compras, elas demoravam-me, começavam com as suas conversas sobre seus pretendentes e por aí fora... Eu atrasava-me com as compras, ouvia raspanete... Até que, um dia, muito senhora do meu nariz, "impus-me"! Expliquei à minha Madrinha que as minhas amigas também se demoravam, até já me tinham convidado para sair com elas nos passeios l
lá pela aldeia, para encontrarmos rapazes e... blá,blá,blá...
Ela mandou-me sentar junto dela e impôs as regras: «Trabalho e casa, mais nada! Aos domingos, podes sair com elas à tarde, mas só até à fonte, onde todas se juntam. Ao final da tarde... casa!»
Depois, contou-me a história da «Filha e da Enteada»:
Um homem, viúvo, que tinha uma filha, casou com uma mulher que também tinha um filha. A filha começou a queixar-se ao pai de que a madrasta a fazia trabalhar, mas poupava a filha dela, que passava quase todo o dia a dormir ou a passear com as amigas. O pai perguntou-lhe se ela a tratava mal. Ela disse que não, nunca lhe bateu nem lhe ralhava, só tinha queixa de a obrigar a trabalhar, enquanto a filha nada fazia. O pai insistiu, quis saber se eram trabalhos cansativos, exagerados para a sua idade e se não a deixava descansar o suficiente. Ela negou, disse que a única queixa era só essa: ter de ajudar nos trabalhos de casa, enquanto a filha fazia o que queria.
Os anos foram passando, as moças casaram no mesmo dia e foram viver para outras aldeias próximas dali. A mulher deu tudo igual às duas: dinheiro para começarem suas vidas de casadas, enxoval, etc., etc. E disse que só iria visitá-las daí um ano, para ver as sua sobras.
Decorrido o ano, apresentou-se na casa da enteada. Começou por apreciar a limpeza, a arrumação e foi dizendo que tinha a certeza de que a da filha estava muito melhor. Perguntou pelas sobras, a jovem mostrou algum dinheiro, pois ainda conseguia vender produtos da horta e poupava o que podia do dinheiro que o marido lhe entregava. Mostrou-lhe uma vasilha com azeite, grão, feijão, batatas, enfim, tudo o que tinha. Levou-a à pocilga e mostrou-lhe um porco muito gordinho (foi há muitos nos, era assim mesmo!). A madrasta disse que ficou muito contente com a vida dela, mas que tinha a certeza de que a filha tinha o dobro.
Chegada à casa da filha, viu tudo sujo, desarrumado e notou um cheiro horrível. Perguntou que cheiro era aquele e a filha respondeu:
_ A mãe não disse que vinha ver as nossas sobras? Eu guardei tudo, mãe! Venha cá ver! Gastei todo o dinheiro que me deu na compra destas barricas, para deitar lá para dentro todas as sobras dos nossos pratos e do fundo da panela. E veja se me dá mais dinheiro, devo a toda a gente, o padeiro e o merceeiro não me largam a porta!
A mãe saiu de lá aos gritos, chorava e dizia que tinha feito da enteada uma grande mulher e da filha uma desgraçada!»
Bom, terminada esta convincente história, achei que o melhor era continuar a obedecer à Madrinha e, confesso, pela vida fora nunca me arrependi. Devo-lhe muito, até o facto de ainda, com os 77 anitos já feitos, poder estar aqui a "facebookiar", pois mantive sempre a vida muito activa a que fui habituada, ao invés de me "desviar" para o consumismo, para onde as amigas costumam ir em grupo. Este, é o problema actual: As criancinhas não podem fazer nada, coitadinhas, precisam do tempo para escravidão do jogos, mesmo que fiquem zumbis, que importa? A ideia dos Senhores o Mundo é mesmo essa...
Florinda Isabel
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