FALANDO COM UM PAR DE SAPATOS...
(Acredite quem quiser!)
Passava junto da porta de uma casa, quando uma voz muito debilitada me chamou. Apercebi-me de que vinha de dentro de uma caixa de madeira. Baixei-me, a voz falou:
_ Abre a tampa!
Abri, pensava que alguma criança se tivesse fechado por brincadeira e não conseguisse sair. Mas, surpresa das surpresas! Um par de sapatos, chorando, seus atacadores, ensopados em lágrimas, desataram a fazer queixumes alternadamente:
Esquerdo_ Nossa dona não nos quer em casa! Malvado facebook! Ela leu uma informação de que os sapatos vão carregados de toda a imundície para dentro de casa!
Eu_ E não é verdade?
Direito_É! Mas, então, por que é que ela atira a malinha de mão para cima da cama, se a larga no chão quando vai aos sanitários públicos? Nem todos têm cabides para pendurar o que os utilizadores transportam consigo! Sabemos isso, porque víamos, antes de nos deixar aqui na rua.
Eu_Bem...
Esquerdo_ Olha lá, e aqueles sacos que os hipermercados têm a lata de vender, com a marca deles, assim muito fortes, com umas grandes pegadeiras, que a nossa dona vai enchendo de compras e pousando no chão e, depois de pagar, vai beber o café com as amigas... blá,blá,blá! E o saco no chão, encostado a nós?
Direito_Depois, vai-o poisando no chão, rua fora e, mal entra em casa... zaca! Saco das compras em cima da mesa da cozinha! Se fazia isso, continua a fazer, porque a informação no facebook era só aqui contra os "andantes"... Só falavam nos sapatos.
Eu_ Bem...
Esquerdo_ Bem? Tu, uma má-língua, que achas tudo mal, só sabes dizer: Bem...?
Eu_É um modo de falar... Claro que eu estou totalmente de acordo convosco.
Direito: E tu que não estivesses ... Levavas cá um chuto nas canelas!
Eu _Mau!
Esquerdo_ Também temos direito ao nosso modo de falar...
Eu_ Acabaram?
Direito_Eu estou mais acabado do que o meu irmão, a dona é coxa e carrega mais em mim.
Esquerdo_Isso importa pouco! Quando ela te deitar fora, eu vou junto.
Eu_ Eu perguntei se acabaram os queixumes...
Direito_ Ainda agora começámos! Olha lá, e quando ela vai com o cachorro à rua, ele vem com as patas sujas e o lombo sujo, de se rebolar a brincar com os outros, por vezes, em cima do xixi e do cocó que por lá vai, e ele pode entrar em casa sem ela lhe limpar as patas e a lombaça? E ainda o deixa lamber-lhe a boca, depois de ele ter andado a cheirar as bundas de toda a cachorrada que encontra! E até salta para cima da cama dela!
Esquerdo_ E por que é que ela não tira a saia antes de entrar em casa, porque os assentos dos transportes públicos têm tanta porcaria como o chão, porque alguns marmanjos, quando se sentam, pespegam logo com as patolas em cima dos assentos da frente?
Eu_Vocês Têm carradas de razão.
Direito_ Carradas de razão e carradas de quilómetros, a aguentarmos com aquela calmeirona em cima de nós!
Eu_Mas vocês são dois, o peso é dividido.
Esquerdo_ Olha lá, tu julgas que ela anda aos saltinhos? Quando um está no chão, fica o outro a aguentar a passada!
Eu_ Bom, nada a fazer, não é?
Direito_ Há muito a fazer! Se ela se portasse bem, estaria sempre protegida. O Dono do Universo estenderia uma capa protectora sobre ela e os micróbios não a podiam penetrar. Nós, aqui onde estamos, bem ouvimos o que dizem os anjos, quando por aqui passam de noite: «Esta, não merece protecção, é uma velhaca! Envenena os gatos da vizinhança; levou o pai para um lar de idosos e nunca mais o foi visitar... Não cuida do ambiente, nunca separa o lixo e não se dá ao trabalho de o colocar nos recipientes próprios, deixa os sacos no chão. Está a dever a renda aqui da moradia há uma data de meses, sem necessidade, se deixasse de fumar e de gastar nos concertos de rock, pagava a renda!»
Esquerdo_Tantos cuidados, tantos cuidados... E será que todas se podem descalçar quando chegam aos locais de trabalho? E acabam por passar lá grande parte do dia. E tanta gente a viver em barracas, sem nenhuma higiene, sem água canalizada, sem sanitários, seus filhos lavados na rua, dentro de um alguidar, e toda a família é saudável. E tantos marmanjos que transformam o local onde vivem quase numa redoma de vidro, e andam a cair de podridão, com tantas mazelas! Limpos por fora, sujos por dentro...
Eu_ Meus queridos... Estou com um bocadinho de pressa. Se não têm mais nada de especial a acrescentar, posso ir embora?
Direito_Podes... Vai lá para o teu vício e publica a nossa entrevista, anda!
Eu_ Posso saber por que me escolheram?
Esquerdo_ Podes! No outro dia, quando tu ias a passar, ouvimos a nossa dona dizer para as amigas que tu não bates bem da bola... Só tu, para dares conversa a um infeliz par de sapatos trancados numa caixa!
Eu_Mas, se estavam trancados, sem me verem, como sabiam que era eu que ia a passar?
Ambos_ Pelo cheiro!
Eu_ Oh, diabo!... Tenho que ver se me encho de coragem e começo a tomar uma banhoca de meio em meio ano, na vez de ser anual!
Ah! Ah! Ah! Ah!
Florinda Rosa Isabel
Esquerdo_ Olha lá, tu julgas que ela anda aos saltinhos? Quando um está no chão, fica o outro a aguentar a passada!
Eu_ Bom, nada a fazer, não é?
Direito_ Há muito a fazer! Se ela se portasse bem, estaria sempre protegida. O Dono do Universo estenderia uma capa protectora sobre ela e os micróbios não a podiam penetrar. Nós, aqui onde estamos, bem ouvimos o que dizem os anjos, quando por aqui passam de noite: «Esta, não merece protecção, é uma velhaca! Envenena os gatos da vizinhança; levou o pai para um lar de idosos e nunca mais o foi visitar... Não cuida do ambiente, nunca separa o lixo e não se dá ao trabalho de o colocar nos recipientes próprios, deixa os sacos no chão. Está a dever a renda aqui da moradia há uma data de meses, sem necessidade, se deixasse de fumar e de gastar nos concertos de rock, pagava a renda!»
Esquerdo_Tantos cuidados, tantos cuidados... E será que todas se podem descalçar quando chegam aos locais de trabalho? E acabam por passar lá grande parte do dia. E tanta gente a viver em barracas, sem nenhuma higiene, sem água canalizada, sem sanitários, seus filhos lavados na rua, dentro de um alguidar, e toda a família é saudável. E tantos marmanjos que transformam o local onde vivem quase numa redoma de vidro, e andam a cair de podridão, com tantas mazelas! Limpos por fora, sujos por dentro...
Eu_ Meus queridos... Estou com um bocadinho de pressa. Se não têm mais nada de especial a acrescentar, posso ir embora?
Direito_Podes... Vai lá para o teu vício e publica a nossa entrevista, anda!
Eu_ Posso saber por que me escolheram?
Esquerdo_ Podes! No outro dia, quando tu ias a passar, ouvimos a nossa dona dizer para as amigas que tu não bates bem da bola... Só tu, para dares conversa a um infeliz par de sapatos trancados numa caixa!
Eu_Mas, se estavam trancados, sem me verem, como sabiam que era eu que ia a passar?
Ambos_ Pelo cheiro!
Eu_ Oh, diabo!... Tenho que ver se me encho de coragem e começo a tomar uma banhoca de meio em meio ano, na vez de ser anual!
Ah! Ah! Ah! Ah!
Florinda Rosa Isabel
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