domingo, 8 de janeiro de 2017

COMO ENTREGAR A ALMA AO CHIFRUDO...

ENTREGAR A ALMA AO DIABO!
Havia no facebook  um grupo, onde às vezes entrava (já lá vão alguns anos) para fazer umas pesquisas. Um dia, estava lá um jovem a perguntar como se faz para entregar a alma ao diabo, a troco de sucesso numa carreira de cantor. Teve algumas respostas, recordo uma que informava ser só preciso compor uma canção, colocar um símbolo satânico na capa de apresentação e falar directamente para o "tal", pois que, se falamos para Deus com a esperança de sermos ouvidos, se falarmos para o "outro", ele também ouve. Depois, é só dizer-lhe as condições.
E eu acredito que seja só isso, ele aceita qualquer condição, só para levar alminhas para a sua colecção.
Eu também poderia ter sido famosa e vivido numa situação financeira mais desafogada, se lhe tivesse entregue a minha a minha alma. E nem precisava de contacto directo... Vou começar pelos meus princípios da carreira de humorista.
Enviei, durante aproximadamente cinco anos, textos para os Parodiantes de Lisboa, um grupo familiar de autores e intérpretes radiofónicos na área do humor,  com mais alguns autores profissionais da área do teatro.
Eu enviava, eles devolviam, até que, por motivo de falecimento e aposentação de alguns, já tinham espaço para mim, uma vez que já conheciam o meu trabalho.
Eu não os conhecia senão da televisão, quando eram entrevistados. Fui ao estúdio, acertamos preços por rubrica transmitida pelos intérpretes, meu marido leva-lhes os textos e eu mandava os recibos assinados,  eles davam o dinheiro a ele. Eu só me encontrava com todos pelas festas de aniversário.
Um dia, imaginei um texto, que era mais ou menos assim: «Um avô ofereceu ao neto, que ia casar, uma tenda de campismo como prenda, na condição de ele passar a noite de núpcias nela. O jovem noivo não se entendeu a abrir a tenda, e então foi pedir instruções via telefone ao avô, que era surdo como um pneu careca: «Avô, não lhe encontro a racha! Aquela abertura por onde se entra e sai! Não consigo mantê-la em pé! Não sou capaz de a montar!», enquanto o avô se ia admirando e fazendo repetir as perguntas, o neto ia dizendo «A tenda, avô!», e o velhote respondia: «Estou a atender» Claro está que eu não posso desenvolver aqui tudo, era muito extenso. Mas dá para ver a trapalhada maldosa que foi. Aquela paródia até foi comentada no teatro para o meu marido, quando lá estava de serviço como bombeiro, por um actor já falecido, chamado José Viana. 
Um dos gerentes lá dos estúdios de gravação, comentou à frente dos autores mais antigos que eu estava a fazer textos muito divertidos, dos melhores entre os melhores. Eles pediram uma reunião, daí a uma semana recebo uma carta a despedirem-me... Eu soube de tudo através de um intérprete que frequentava a cafetaria do quartel onde meu marido prestava serviço. O patronato teve de obedecer à máfia invejosa, porque, entretanto, já se tinham tornado sócios e investido capital.
Não sei como consegui sobreviver ao desgosto, a cabeça a abarrotar de ideias e não ter onde aplicá-las. Entretanto, Teresa Guilherme tinha um concurso, que constava de enviarmos letras para músicas conhecidas e a brincar com alguém famoso. Eu entrei na "jogada". Não ganhávamos nada, apenas se fôssemos seleccionados íamos assistir no palco e nosso nome era mencionado. Lá fui seleccionada e chamada ao escritório dela, para assinar um documento em que me comprometia, sob pena de acção criminal, a não divulgar nada do que lá se passasse. Assinei, pensei que seria para não divulgar nossas conversas lá dentro dos estúdios da televisão.
Na letra, eu brincava com Guilherme Leite, que tinha um programa televisivo chamado «Os Malucos do Riso» Quando o intérprete começou a cantar a minha letra, eu ia desmaiando! Eu fizera graça sem ofender, aquela letra cuja autoria me era atribuída, era insultuosa! Vergonhosa! E sem graça! De vez em quando, ainda passam aquilo quando a entrevistam e apresentam pedaços dos programas dela. Sinto vergonha! Passo por ter escrito aquilo e não fui eu. Mas como contestar, se assinei o documento em que me comprometia a não divulgar nada? 
Esses tais «Malucos do Riso» abriram um concurso também para autores, mas apenas para ajudarem esses autores a se tornarem conhecidos, seria trabalho gratuito. Também me escolheram, entre mais uns dez  ou  vinte, aproximadamente, e representaram aquilo que escrevemos. Recordo que houve apresentação e beberete, fui com o meu marido, de carro, pois era muito longe. 
Eu pedi a uma intérprete deles, que também colaborava com a actriz Marina Mota, se fazia o favor de levar a ela uns textos meus. Ela fez isso, Marina Mota aceitou minha colaboração para um programa televisivo chamado «Bola lá Marina». Eu enviava textos com graça sem serem ordinários, mas ela preferia que fossem ordinários, mesmo sem graça, pois os telespectadores gostavam de ouvir palavrões, principalmente referente a sexo bem "puxadinho",  era o que costumava apresentar. Assim, dispensou-me...
Bom, se eu aceitasse entrar na obscenidade, nem precisava de chamar pelo chifrudo, para fazer o tal acordo em troca de sucesso, minha alma ia direitinha para as patas dele.
Pouco recebi desses textos da Marina Mota, mas fiquei com o direito de acesso a um Lar, quase um hotel de luxo, a Casa do Artista, se um dia não conseguir cuidar de mim, pois minha colaboração de 13 anos nos Parodiantes não davam acesso, só me pude inscrever através da Sociedade Portuguesa De Autores, como membro que sou e como guionista de televisão, devido aos (poucos)  guiões que escrevi para televisão. Uma bênção Divina!
Deus escreve direito por linhas tortas...

Florinda Rosa Isabel


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