Reconhecimento de Direitos da Natureza
), a moderna biologia e cosmologia ensinam que todos os seres vivos são portadores do mesmo código genético de base (…) resultando desta constatação que um laço de parentesco une todos os viventes, formando uma comunidade de vida a ser “cuidada com compreensão, compaixão e amor” (Carta da Terra, n.º I, 2).
Carta enviada ao Presidente da Assembleia da República exortando à assinatura e divulgação desta petição
"Exmo. Senhor
Presidente da Assembleia da República
Presidente da Assembleia da República
Dirigem-se os signatários desta missiva a Vossa Excelência, a propósito dos incêndios florestais ocorridos em Portugal, quer em Pedrógão Grande, quer mais recentemente em outras regiões do centro do país, onde chegaram a lavrar cerca de 400 fogos no mesmo dia. Pese embora não olvidemos a colossal tragédia humana que se abateu sobre o nosso país, e estejamos conscientes de que esta iniciativa não poderá minimizar, por ora, o sofrimento e pesar que todos sentimos, em especial, os familiares das vítimas, consideramos ainda assim pertinente que Vossa Excelência tome conhecimento desta iniciativa.
No quadro de uma Iniciativa Europeia de Cidadãos, um grupo de cidadãos portugueses criou uma petição, ao abrigo da lei que regula e garante o exercício deste direito, que exorta o Parlamento português a legislar no sentido de reconhecer juridicamente direitos à Natureza, à semelhança do que tem vindo a suceder noutros países, como a Nova Zelândia, a Índia, a Bolívia, e o Butão, para citar alguns exemplos. Com esta petição, pretendem os signatários que o legislador reconheça que a inviolabilidade da vida humana, proclamada no artigo 24.º da nossa Lei Fundamental, e que é o bem jurídico por excelência no nosso ordenamento e, por isso, com tutela constitucional e infra-constitucional reforçada, não pode ser desligada de uma tutela jurídica da vasta rede de vida (não humana), de que depende profundamente.
Como evidência desta interpenetração, a Carta da Terra, em cujos princípios se ancora esta petição, tende a substituir a expressão “meio ambiente” por “comunidade de vida”, pois, como refere Leonardo Boff em artigo intitulado “Onde está o nó da questão ecológica (I)?” (disponível em https://leobardoboff.wordpress.com
Integra essa “comunidade de vida” o planeta Terra, não apenas como suporte de toda a vida, mas também como entidade dotada de vida, de acordo com as conclusões a que chegou já boa parte da comunidade científica, sendo que o formulador principal desta visão, James Lovelock, apelida a Terra de “Gaia” (nome da mitologia grega para designar Terra viva). Em face desta mesma constatação, a ONU, em 22 de Abril de 2009, aprovou por unanimidade, em sessão geral, apelidar a Terra de Mãe Terra, Magna Mater e Pachamama.
Pergunta Boff que conclusões deveríamos retirar destas mais recentes descobertas científicas. E sugere: “Devemos mudar o nosso olhar sobre a Terra, a Natureza e sobre nós mesmos. Ela é a nossa grande mãe que (…) merece respeito e veneração. Quer dizer, conhecer e respeitar seus ritmos e ciclos, sua capacidade de reprodução, não devastá-la como temos feito desde o advento da tecnociência e do espírito antropocentrista que pensa que ela só tem valor na medida em que nos é útil.”
Contudo, pensamos, não é suficiente mudar o nosso modo de ver a Terra, a Natureza e o ser humano. É necessário agir em conformidade com essa visão nova. A Carta da Terra aponta o caminho a seguir. Citamos, de novo: “Como nunca antes na história, o destino comum nos conclama a buscar um novo começo. (…) Isto requer uma mudança na mente e no coração. Requer um novo sentido de responsabilidade global e de responsabilidade universal. Devemos desenvolver e aplicar com imaginação a visão de um modo de vida sustentável aos níveis local, nacional, regional e global.”
Esta exortação responsabiliza-nos, convocando-nos a agir nos mais diversos campos, incluindo o campo normativo.
Estamos cientes da existência de uma Constituição Ambiental dentro da nossa Lei Fundamental. Verificamos, porém, que todo o Direito Ambiental nacional assenta na visão errónea da Natureza (ou da Terra), como um recurso inerte a explorar ilimitadamente, ainda que com observância de determinadas (muitas) regras, com vista à satisfação das necessidades de todos ou de apenas alguns, consoante os casos. Estamos, de igual modo, cientes de que tal exploração, ainda que ancorada num acervo normativo que a permite e regula, tem sido e é ineficaz na efectiva protecção do património natural que é de todos: a água, o ar, as florestas, os solos, os sub-solos, o mar, etc., etc. Ao invés, tal protecção redunda numa desprotecção daqueles componentes naturais que constituem o suporte da existência de vida na Terra, o nosso Lar, na terminologia da Carta da Terra (preâmbulo).
Todos os anos vivemos o drama dos incêndios florestais que não apenas dizimam o nosso património florestal como também ceifam vidas - vidas humanas e vidas não humanas. Desaparecem florestas inteiras, as grandes produtoras do oxigénio que respiramos. Como podemos pretender assegurar a inviolabilidade do direito à vida, se não soubermos salvaguardar as condições bióticas de que depende essa vida? Cremos profundamente que, o reconhecimento de direitos à Natureza, nos termos peticionados, ou noutros semelhantes que assentem na percepção da Terra como comunidade de vida, e não como conglomerado de recursos inertes, providenciará uma actuação a montante realmente eficaz, sendo simultaneamente causa e efeito da mudança de paradigma mental e, consequentemente, normativo, que já peca por tardio.
Portugal tem sido pioneiro em alguns dos grandes momentos da história da humanidade, como nos Descobrimentos, na abolição da escravatura e na abolição da pena de morte. E, a propósito da diferença que queremos e devemos ser no mundo, exorta-nos o Papa Francisco, na sua última encíclica intitulada “Laudato Si” a uma “conversão ecológica”, invocando uma “solidariedade universal” para “unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral”.
Portugal pode (e deve!) ser pioneiro também nesta aspiração de alcance planetário, juntando a sua voz à dos outros países, acima referidos, que reconheceram direitos intrínsecos à Natureza, e especificamente, aos seus maiores rios (como no caso da Índia e da Nova Zelândia), e às suas florestas e parques naturais.
Devemos perguntar-nos agora: Que património natural e cultural deixaremos às gerações vindouras? Um património natural delapidado e morto constituirá uma “dívida ontológica” que jamais poderemos pagar, (expressão feliz de Viriato Soromenho-Marques, também signatário desta petição, a propósito da crise ambiental que vivemos e que ainda não sabemos pensar devidamente).
Apelamos aos bons ofícios de V. Exa., no sentido de alertar as consciências para esta problemática transversal, inserindo-a na agenda das prioridades políticas, no quadro da efectiva garantia da vida e da dignidade da(s) pessoas humana(s), da paz e do desenvolvimento sustentável que a garante.
É essa preocupação que se encontra vertida nesta petição que exortamos Vossa Excelência a assinar e a divulgar amplamente, a fim de que sejam reunidas as necessárias assinaturas que permitam a sua apreciação em Plenário, nos termos do artigo 24.º da Lei que garante e regula o exercício do direito de petição. Em http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=direitosdanatureza
Antecipadamente muito gratos pela atenção que V. Exa. possa dar a este assunto,
Subscrevemo-nos, atentamente
Alexandra Monteiro Marcelino
Ana Sofia dos Santos Costa
João Miguel Louro
José Manuel Ferreira Anacleto
Jorge Domingos Bastos Moreira
Paulo Alexandre Esteves Borges
"You cannot go through a single day without having an impact on the world around you. What you do makes a difference, and you have to decide what kind of difference you want to make." — Jane Goodall
"Não podemos proteger os nossos próprios direitos, sem o reconhecimento de que esses mesmos direitos dependem da salvaguarda dos direitos da Terra." - Linda Sheehan of Center for Humans and Nature.
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